Carmen Lucia
Maioli M. Campos
cmcampos@ufla.br
Na historia da Igreja poucas pessoas têm atingido o alto grau de espiritualidade
alcançado por Mme Guyon.
Em sua autobiografia ela não somente conta sua vida, como também revela o seu
íntimo, as suas lutas interiores para obter a purificação de sua alma e a sua
sensibilidade em relação à presença de Deus em sua vida.
No mundo secular ela é conhecida como uma francesa mística e escritora, uma figura
central nos debates teológicos do séc. XVII na França pela sua defesa pública do
¡¥¡¥Quietismo¡¦¡¦ (a crença de que se deve aceitar calmamente o que acontece e
que não se deve tentar mudar as coisas).
Nascida em uma época
corrupta, em uma nação marcada por sua degeneração, criada em uma igreja devassa assim
como o mundo em que estava inserida, perseguida em cada passo do seu caminhar, tateando
como fez em ignorância e desolação espiritual, ela subiu, todavia, ao pináculo mais
alto de preeminência em espiritualidade e devoção cristã. Tendo vivido e morrido na
Igreja Católica, ainda assim foi atormentada e afligida, maltratada e abusada, e foi
aprisionada por anos pelas mais altas autoridades da Igreja. O seu único crime foi o de
amar a Deus. A sua culpa foi a sua suprema devoção e afeição a Cristo. Quando pediram
seu dinheiro e propriedade, alegremente os entregou.
Mme Guyon, cujo nome completo de solteira era Jeanne Marie
Bouvier de La Motte, nasceu em 13 de abril de 1648 em Montargis, França. Seus pais,
particularmente seu pai, eram extremamente piedosos, mas para seu pai isto era um
comportamento e conduta hereditários. Muitos de seus ancestrais eram santos.
Foi um bebê prematuro de oito meses devido a um choque que
sua mãe sofreu. Com isto teve de lutar muito para sobreviver, o que deixou seus pais
muito apreensivos, pois eles temiam que ela não chegasse a ser batizada, o que não
aconteceu. Ela continuou muito doente até à idade de dois anos e meio, quando então foi
enviada por seus pais para o Convento das Ursulinas, onde permaneceu por poucos meses. Sua
mãe não lhe dava nenhuma atenção, não gostava muito de filhas e com isso a entregou
inteiramente aos cuidados das servas. Em sua autobiografia, Mme Guyon diz que se não
fosse pela constante vigilância de seu Protetor (Deus), a quem sempre se referia como a
¡¥Providência¡¦, teria tido severos sofrimentos em todos os sentidos. O Senhor a
protegeu e a guardou de muitas coisas.
Aos quatro anos, por permissão concedida por seu pai, foi
viver no Convento das Beneditinas, levada pela Duquesa de Montbason, a qual gostou muito
da menina devido à sua maneira alegre, doce e esportiva de ser. Como toda criança, ela
fazia muitas artes, mas já era desde esta tenra idade atraída pelas coisas de Deus.
Gostava de ouvir falar Dele, de estar na Igreja e de ser vestida com vestes religiosas.
Já nesta época lhe foi dito sobre os terrores do inferno, o que acreditava que houvesse
sido com a intenção de intimidá-la, devido ao fato de ser extremamente cheia de
vivacidade e presença de espírito. Todavia esta impressão deixada nela foi tão forte
que, em sua autobiografia, ela disse que o tempo nunca foi capaz de amenizar estas idéias
temerosas da sua mente.
Depois deste período voltou para casa, e novamente foi
negligenciada por sua mãe e entregue aos cuidados dos empregados.
Aos sete anos voltou para o Convento das Ursulinas, onde
encontrou duas meia-irmãs. Sua irmã por parte de pai foi de muita ajuda para sua vida
espiritual. Ela veio a ser quem proveu os primeiros meios de salvação na vida de Mme
Guyon. Era muito gentil e amava muito a menina, sabendo despertar nela as boas qualidades
que ela tinha e instruí-la na piedade.
Por solicitação de seu pai, ela sempre o visitava em casa e
em uma destas visitas encontrou a rainha da Inglaterra, a qual ficou tão impressionada
com suas atitudes e respostas que pediu a seu pai consentimento para levá-la para a
corte, sob seus cuidados, para ser dama de companhia da princesa. Seu pai não permitiu, o
que ela atribuiu à providência de Deus para que não fosse influenciada pelas
tentações e divertimentos da corte. Assim continuou ainda um tempo com as Ursulinas,
tempo em que por não poder permanecer continuamente com sua irmã, adquiriu muitos maus
hábitos como mentira, impertinência e falta de devoção, passando às vezes dias
inteiros sem pensar em Deus. Mas ela conta que apesar disto, Deus sempre a observava e
vigiava, providenciando para que voltasse aos cuidados de sua irmã, deixando assim os
péssimos hábitos. Deus sempre lhe mostrou Sua graça, mesmo nas suas infidelidades.
Tinha tremendo prazer em ouvir falar de Deus, não se cansava
da Igreja, gostava de orar, tinha afeto pelos pobres e tinha um desgosto natural pelas
doutrinas que eram julgadas infundadas. É impressionante como Mme Guyon, ainda uma
criança de sete anos, tinha certas atitudes de auto-sacrifício. É bom salientar aqui
que mesmo muitas vezes sendo castigada, tanto em sua infância como também depois em sua
fase já adulta, ela declarou em seu livro que não se lembrava de temer qualquer castigo
mais do que temia causar dor Àquele a quem amava, a ponto de declarar que mesmo que não
existisse ¡¡±céu ou inferno¡¨ ela sempre iria reter o mesmo temor de desagradar a
Deus.
Aos dez anos foi transferida do Convento das Ursulinas para
outro da ordem de St. Dominie. Aliás, apesar da Madre gostar muito dela, não tinha muito
tempo para a menina e ela com isto não teve quase nenhum cuidado, caiu muito doente e
passava muito tempo sozinha. Achando uma Bíblia, passava dias e dias lendo-a de manhã
até à noite, sendo esta a sua distração.
Após oito meses retornou para casa, onde conseguiu obter um
cuidado um pouco melhor de sua mãe. Mesmo assim, era maltratada e sofria muitas injúrias
por parte de seu irmão, o qual estava sempre certo e com razão. Sua mãe, e por
conseqüência também os criados, fazia uma distinção muito grande entre ela e seu
irmão, o qual também aprendeu com isto a desprezá-la. Esta animosidade dele para com
ela nunca se desfez e isto trouxe muitos problemas mais tarde no relacionamento entre
ambos. Ela sofreu neste tempo muitas doenças, perseguições e incompreensões dentro da
própria casa, vindas muitas vezes de sua própria mãe. Este comportamento da família em
relação a ela foi a causa de muitas de suas atitudes erradas, pois não tinha estímulo
nenhum de fazer o certo. Ela nunca tinha razão de coisa alguma. Mas apesar destas faltas,
era muito amável e caridosa com os pobres, orava a Deus assiduamente, amava ouvir falar
sobre Ele e ler bons livros. Apesar de todas as suas faltas o Senhor sempre a cercou e a
conquistou.
Aos onze anos recebeu sua Primeira Comunhão no meio das
Ursulinas. Nesta ocasião se dispôs a entregar-se a Deus com vontade. Ela sempre possuía
esta luta em seu interior entre as suas boas inclinações e seus hábitos ruins. Por
causa disto sempre fazia penitências. O tipo de educação que teve, contribuiu muitas
vezes para afastá-la das coisas de Deus, pois por sua própria natureza, era muito
atraída ao bem e a Deus.
Como cresceu e se tornou uma jovem muito bonita, sua mãe a
aceitou melhor, tendo um certo orgulho desta beleza que Deus tinha presenteado a sua filha
(para louvor Dele). Entretanto, esta beleza trouxe a Mme Guyon uma espécie de orgulho e
vaidade. Tinha apenas doze anos e já recebia muitas propostas de casamento, as quais seu
pai recusava. Mme Guyon começou a despertar-se tremendamente para sua salvação, o que a
levou a procurar seu confessor, preocupada com isto. Tinha lutas constantes: ora cheia de
ardor pelo Senhor, ora tão longe Dele. Mas ela declarou que ¡¡±o Deus de amor sempre
batia à porta do seu coração¡¨.
Nessa época ela seguia os exercícios religiosos, lia e
orava o dia todo, dava tudo o que tinha aos pobres, ensinava-lhes o catecismo e os servia
com alimentos. Lia também muitas obras de escritores religiosos, entre eles os escritos
de Mme Chantal, a qual a influenciou de tal maneira que Mme Guyon procurava imitá-la em
tudo. Nesta mesma época ela expressou um grande desejo de se tornar uma freira, contra a
vontade de seu pai, por isto este desejo nunca se concretizou. Também outra coisa que
influenciou muito sua vida, foi o fato de sua mãe ser muito caridosa, nunca deixando o
necessitado sem ajuda. Ela disse que Deus a favoreceu com a benção de ser a sucessora da
sua mãe neste hábito santo.
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